Uma jovem empresa imaginada para fabricar pás eólicas com tecnologia de ponta no ventoso Ceará e que, em pouco mais de dez anos, ganhou o mundo e conquistou parceiros comerciais do porte das multinacionais GE e Siemens. Uma companhia centenária que foi líder no mercado brasileiro de torradores de café durante suas primeiras cinco décadas de vida, depois enfrentou duas grandes crises, mas conseguiu se reinventar investindo em inovação e se internacionalizando. Os casos da Aeris Energy e da Cia. Lilla de Máquinas foram apresentados durante o webinar “Empresas industriais de sucesso: o que elas ensinam sobre o futuro da indústria brasileira”.
O evento surgiu de uma conversa de Sergio Fausto, diretor da Fundação FHC, com o economista José Roberto Mendonça de Barros e o engenheiro João Fernando Gomes de Oliveira, parceiros em um estudo intitulado “Existe futuro para a Indústria?”, apresentado em um seminário no Insper, com apoio da Fapesp, em abril de 2021. Naquela ocasião, os estudos de caso apresentados disseram respeito a empresas de grande porte, como a Weg e a Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração. Neste segundo webinar sobre o tema, realizado pela Fundação FHC, a ideia foi convidar duas empresas bem diferentes, uma de grande porte, com capital aberto, como a Aeris, e outra de tamanho médio, com capital fechado, como a Lilla.
Em comum, a decisão de andar com as próprias pernas, sem depender de subsídios ou protecionismos estatais. Ambas estão conseguindo driblar o chamado Custo Brasil e se tornar players globais em suas áreas de atuação. Isso mostra que o caminho é viável não só para grandes, mas também para médias empresas. Para saber mais sobre as histórias da Aeris e da Lilla, veja as apresentações na seção Conteúdos Relacionados, à direita desta página.
“Em vez de continuarmos a debater em torno de duas visões antagônicas — a liberal/pró-abertura econômica e a nacional-desenvolvimentista/protecionista — por que não deixarmos as ideologias um pouco de lado para analisar os casos bem-sucedidos de empresas brasileiras que parecem ir na contramão do declínio da indústria brasileira?”, perguntou Mendonça de Barros, que foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (1995-1998). Ele destaca que observar e aprender com as práticas dessas empresas pode ser mais produtivo do que se prender a debates ideológicos que muitas vezes não trazem soluções práticas.
“Está claro que vai demorar muito tempo para reduzirmos o Custo Brasil. As empresas brasileiras que querem se tornar líderes globais não têm outra saída: precisam fazer a lição de casa”, disse Gomes de Oliveira, professor titular aposentado da EESC-USP e membro do conselho superior da Fapesp. Segundo Mendonça de Barros e Gomes de Oliveira, os dois casos expostos (assim como diversos outros estudados por eles) têm três características em comum: esforço consistente e persistente no desenvolvimento de tecnologia e inovação, tanto com parceiros internos como externos, resultando em ganhos de produtividade e competitividade; conexão com as cadeias internacionais de suprimentos por caminhos diversos, mostrando que o importante não é só exportar, mas também buscar os melhores fornecedores e trabalhar junto com empresas parceiras e startups mundo afora; boa estrutura de capital, o que dá robustez para a empresa focar em investimentos e projetos de longo prazo, sem depender de apoio estatal.
“Não se trata de algo teórico ou excepcional. É esse tripé que permite que uma empresa supere obstáculos e crises, melhore sua produtividade e competitividade e conquiste novos mercados em um mundo cada vez mais globalizado”, explicou Barros, ex-professor de FEA-USP (1967-2002). Um exemplo é a Embraer, que teve recentemente um grande revés comercial (a fracassada venda da empresa para a Boeing), mas está conseguindo se recolocar, pois há muitos anos funciona sobre essas bases. “É necessário pensar a produtividade de maneira mais ampla, maximizando o valor do produto e oferecendo-o ao mercado global a preço competitivo. As empresas do agronegócio, por exemplo, devem agregar valor às suas commodities e exportar produtos alimentícios industrializados de qualidade, por um preço justo, nem caro nem barato”, exemplificou Oliveira, ex-diretor presidente do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e ex-presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (EMBRAPII).
De acordo com os responsáveis pelo estudo, há no Brasil cerca de 17.000 empresas que já começam (ou têm potencial) para seguir esse rumo de forma exitosa, tanto em áreas onde o país já tem vantagens competitivas — como o agronegócio, as energias renováveis e a mineração, sobretudo de “minérios do futuro” — como em outros setores como saúde e fintechs.
Fundada em 2010, para produzir pás para aerogeradores de parques eólicos, a receita operacional líquida da Aeris Energy saltou de R$ 45 milhões em 2013 para R$ 2,2 bilhões em 2020. As exportações respondem por um terço desse total. O crescimento da empresa está baseado em três pilares: os clientes enxergam a Aeris como fabricante global, todos os contratos preveem condições comerciais tanto para o mercado interno como para exportação; a proximidade ao Porto do Pecém (no litoral do Ceará) e a aplicação dos conceitos Lean no embarque de pás reduzem os custos logísticos para o cliente e tornam a Aeris ainda mais competitiva globalmente; a equipe de serviços com presença multinacional resulta em maior segurança de manutenção no pós-venda.
“A localização da fábrica no Complexo Industrial e Portuário do Pecém, próximo aos parques eólicos da região Nordeste e de onde é possível exportar com facilidade para todo o mundo, reduz muito os custos de logística e nos torna mais competitivos”, relatou Vitor de Araújo Santos, engenheiro aeronáutico, cofundador e diretor executivo de tecnologia da Aeris. Em 2016, quando o Brasil entrou em recessão e houve o cancelamento de leilões de energia eólica, a jovem empresa apostou suas fichas no mercado internacional. Hoje vende pás para Estados Unidos, Alemanha, Espanha, Austrália, Índia, Chile e Argentina. Em 2020, fez um IPO e arrecadou US$ 1 bilhão, dos quais US$ 600 milhões foram investidos na expansão do parque fabril no litoral cearense.
“Em pouco mais de dez anos, aprendemos a fazer pás de até 80 metros com tecnologia de ponta, mas também a agregar valor ao nosso produto entregando-o com velocidade e qualidade em qualquer lugar do mundo. Com exceção da China, temos 90% do mercado mundial de energia eólica como nossos clientes”, concluiu Santos.
Fundada em 1918 pelo imigrante italiano Vito Lilla, em pouco mais de uma década a Cia. Lilla de Máquinas já era a maior fabricante de máquinas de torrar café do Brasil, posição que ocupou por várias décadas. Nos anos 1960, enfrentou sua primeira crise. “A empresa estava acomodada, fabricava as mesmas máquinas que a concorrência. Em 1969, o neto do fundador, Ciro Lilla, estudante da Politécnica da USP, entra na empresa e, com a cabeça de alguém que não tinha intimidade com o mundo dos torradores de café, desenvolve um projeto inovador, os torradores da linha C. Com a comercialização de mais de 600 unidades, a companhia recupera a liderança do setor no país”, explicou o diretor executivo, engenheiro Fernando Fernandes.
Em 1982, a Lilla exporta para os EUA pela primeira vez, e em 1985 lança o torrador Opus, segunda grande inovação tecnológica no mercado, que vendeu 400 unidades em todo o mundo. A Lilla mantinha-se na liderança no mercado nacional. Em 2001, surge um novo desafio: a entrada do líder mundial na fabricação de equipamentos para torrefação no Brasil. No ano seguinte, a empresa concluiu o processo de profissionalização da gestão e continuou a investir em inovação e na internacionalização. Com foco estratégico em clientes de grande porte no mercado internacional, celebrou o centenário com presença em mais de 60 países, duplicando seu faturamento com relação aos anos anteriores e se tornando fornecedor internacional de grupos como Nestlé, Melitta, Olam, Segafredo, Unilever e UCC.
“Aprendemos que o desenvolvimento tecnológico tem que ser permanente, não pode parar nunca. E a visão voltada para o mercado global traz estabilidade à demanda, pois crises sempre acontecem. Quando um mercado está mais fraco, outro compensa. Por fim, não queremos depender de protecionismos. Quanto mais aberta a economia brasileira estiver para o mundo, melhor para nós”, concluiu Fernandes.
“Começo com uma provocação. Para que precisamos de uma política industrial? Para fortalecer determinados tipos de indústria? Para o país superar a armadilha da renda média? No Brasil, política industrial é sinônimo de fechamento da economia e isenção fiscal para alguns setores considerados estratégicos. A experiência das últimas décadas e o processo de desindustrialização em curso mostram que esse caminho não deu certo. O conceito de política industrial está muito desgastado e precisa ser urgentemente revisto”, disse a economista e advogada Elena Landau, ex-diretora de Desestatização do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Convidada a comentar o estudo e os cases apresentados, Landau propôs a adoção de políticas horizontais, ou seja, válidas para todos os setores e empresas, com medidas como: melhorar o ambiente de negócios; fortalecer